segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Prece de ano novo

Senhor



Livra-me dos chatos e Te agradecerei, oh Senhor. Rouba-me o emprego, planta-me em cada dedo a Tua unha encravada, mata-me de morte lenta e dolorosa, mas livra-me dos chatos. Há chatos demais, Senhor, nesta Tua cidade. Cobre a minha cabeça de piolhos, arranca os meus olhos das órbitas, Senhor, mas livra-me dos chatos.

Eles podem mais que Teu rum da Jamaica, que Teu éter sulfúrico. De Curitiba fugiram os Teus anjos, Senhor e, se fugiram, eles que eram anjos, o que será de mim?

Tuas pestes, Senhor, poupam aos chatos, são eles intocáveis ao Teu dedo? Claudionor eu Te perdôo, Senhor, a Valquiria que embebeu as vestes em álcool e ateou fogo eu Te perdôo, Senhor, as duas senhoras de nomes Lucinda e Perciliana que se engalfinharam durante a missa na Tua catedral, eu Te perdôo porque Te entendo, Senhor.

Não Te entendo, oh Senhor, por que poupas a eles, que são chatos. Por eles se perde o mel que a abelha ainda não cozinhou. Eles estragam o gosto do café ainda na xícara e azedam o leite no seio da mulher grávida.

Endureceste o coração contra mim: sou eu Faraó e são os chatos Teu povo? Não me poupes, Senhor, entre os malditos é o meu lugar. Abate-me com Tua mão pesada, eu Te abençoarei. Sacode-me no pó como fizeste com Job, ah, mas os amigos que mandaste consolar a Job não eram eles três chatos, Senhor?

Dalton Trevisan,
Senhor
Lamentações de Curitiba, 1961

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