segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Os Desembalos de Sábado à Noite

Mais um final de semana chegando. Fazia justamente um mês, naquele sábado, que tinha terminado com minha namorada. Tomado por um sentimento que misturava vazio, solidão e carência, eu e meus bodes nos acomodávamos no sofá para assistir a mais um filme “Qualquer Coisa Fatal” no Supercine, quando ouvi risadas e gemidos no apartamento de cima.

Eu fiquei paralisado e comecei a prestar atenção nas coisas que estavam acontecendo no meu vizinho. Senti vergonha, pois pagar condomínio para ouvir as sacanagens dos outros é o fim do mundo.

No final daquela situação inusitada, consegui chegar à uma triste conclusão: são os movimentos que provocam os sussurros. Senti-me um poste. Baseado nesta dedução simplória, erótica e carente, busquei motivação para sair do estado de letargia que me encontrava. É... já era hora de fazer alguma coisa. Pelo amor de Deus. Atitude. O negócio era reentrar na atmosfera da night, onde haveria um montão de menininhas loucas para te fazer esquecer da vida e resgatar o velho tigrão das secretárias bilingües. Era a volta de um velho sucesso, só que agora na versão acústico. É... ACÚSTICO.

Espantei os bodes que estavam em minha sala e animei-me inesperadamente. Apesar do frio de Curitiba, telefonei para um antigo amigo, o Durval, que topava qualquer balada (pelo menos há dois anos atrás). Num papo rápido, fiquei sabendo que ele havia sido trocado por um professor de jiu-jitsu pela última namorada e desde então, como ele falava, “qualquer coisa é coisa”. Putz. O cara tava pior que eu.

- Passo aí umas onze horas, disse.

- Tô te esperando então, rebateu de primeira o Durva.Abri o guarda-roupa.

Vamos ver o que eu coloco. Bom, o frio é uma época em que as pessoas se vestem bem. Tem todo um charme, um glamour. Olhei para uma camisa azul marinho, que era meu antigo jaleco de guerra. “Ela” fez que não era com ela. Aposentou-se por tempo de serviço (isto facilmente se vê nos colarinhos). Bem...é verdade. Desta vez tenho que caprichar. É simplesmente “a volta”. Só que estava faltando no meu guarda-roupa um casaco de couro ou uma jaqueta bem transada. Sabe... algo com apelo visual... merchandising, do tipo: “Tá baratinho, freguesa. É só pegar e levar”. Eita carência.Deparei-me com uma jaqueta perdida que minhas irmãs havia me dado. Pelo jeito e pelas medidas ficava grande para elas... mas pequena para mim. Não dá nada não. Era deixar o casaco aberto e não esticar os braços (que as mangas vinham no cotovelo). Coloquei um jeans e uma camiseta básica preta para não inventar e CABRUM, estava eu preparado, um autêntico bad boy mauricinho II – the return.Será que levo camisinha? Pensei. Vai se fuder, vai, Mauricinho, repensei.

Peguei minha nave para reentrada (meu carro) e passei no banco. Fiquei arrepiado com minhas finanças. Tirei só R$20.00. Sei lá. Devia dar.Segui para casa do Durval. Grande camarada. Tinha trabalhado comigo e bebia como um condenado.Chegando lá, buzinei... buzinei... buzinei... e só depois da quarta buzinada o figura apareceu lá na varanda, com um copo na mão. O cara já veio pisando torto e entrou em meu carro com um copo de whisky regado. No reencontro, falou:

- E aí fera? Beleza? Quanto tempo, hein?

- Pô meu amigo, maravilha. Melhor impossível, disse-lhe. (fratura exposta, mais vou me recuperar).

- É isso aí meu, hoje a coisa vai rolar, ele falou, já com aquele brilho de álcool 98º GL nos olhos.E bateu a porta do carro com tanta força que todo o painel saculejou, o porta-luvas abriu e não queria mais fechar. Fui falar alguma coisa, mas deixei barato. (Aquela história de perguntar se a pessoa não tinha geladeira em casa já era... pelo menos para mim, naquele momento). Olhei para o lado e disse:

- Vamos fazer o seguinte: não vamos falar de dinheiro e nem de ex-namoradas... eu sou teu amigo, conheço tua vida e vamos putiar por aí. Belê?

- Tá fechado. Dá prá ligar o rádio? Perguntou ele.

- Vaí aí, sinalizei.

Não funcionou. (Meu Deus: o que é que esse mão seca fez no meu rádio?).Segui com a nave e com um alienígena sentado ao meu lado.Na primeira esquina, o desgraçado derrubou whisky no estofado. E eu é que tive que pedir desculpas. Pedi pra ele me dar um pouco daquele “veneno”. Tomei metade do copo e mastiguei uma pedra inteira de gelo. Tava resolvido, em parte, o problema. Deu para ouvir quando o meu coração falou para meu fígado: - Hoje você é que é a bola da vez, negão.

Então fomos para a velha e consagrada estratégia: rodamos e rodamos os bares por aí. O lugar que tivesse a maior fila e percebêssemos com aquele “apurado” feeling sexual (fedendo a naftalina) a presença de mulheres interessantes, nós entraríamos.Paramos numa casa de axé.

Jesus. Descemos da nave. A fila estava um cueca para cada calcinha rendada, bonitinha, uma delícia. É... o desespero faz a gente ver coisas.Meia hora de fila. Meia hora de frio. Pelo vão da camiseta, meus poucos pêlos do peito exigiam os mesmos direitos dos pêlos do saco. Acordo negado.Atrás de nós, havia um grupo de três meninas na faixa de 18 a 20 anos.Vamos lá, garotão. Comece a treinar! pensei.

- Olá! Vocês têm bônus? Perguntei, com cara de milhares de más intenções.

- Não! as meninas responderam secamente.

- Vocês estão sozinhas? Insisti, com cara de algumas más intenções.

Uma olhou para a outra e nem responderam.Olhei para elas e quase falei: Última pergunta: vocês chupam?Bem... era só para esquentar.

Finalmente chegamos na entrada. R$ 5,00 de couvert e R$ 10,00 de consumação, estava escrito na portaria.Eu, ali, com R$ 20,00, um pacote de halls e três convites para a “Noite dos fudidos”, para o sábado seguinte, que havia recebido há pouco na fila. Eram estas minhas armas.

Depois da revista de praxe, entram os dois coiotes no recinto pela porta de saída. Belo começo. Logo ouço a batida da banda, que agita a galera. A mulherada estava lá, esparramada no salão, conforme o combinado e improvisado. E levanta a mão, põe a mão na cinturinha, dá uma rodadinha... abaixa ordinária, abaixa. E elas abaixavam. Me senti mais deslocado que cebola em salada de frutas... e o Durval parecendo um cachorro no açougue, de tão alucinado.Ei... uma moreninha baixinha olhou para mim. A noite estava começando a reconhecer seu filho amado. Olhei para o Durval e disse-lhe empolgado:

- Vamos para o bar.

- Só, ele balbuciou.

Atravessamos a pista de dança e chegamos ao balcão. De lá, de posse de cervejas, começamos a escolher.

- Vamos trabalhar em dupla, se é que você me entende, posicionei-me.

- Não, é claro. É arrastar duas e pau na mandioca. Qualquer coisa estou sozinho em casa, animou meu camarada.

Depois de 15 minutos, buscamos outra torre de comando. Fomos para o mezanino, para ter uma visão completa do terreno. De repente, uma moça (estou sendo gentil, uma senhora) aparece do nada ao meu lado.

- Olha... é para você, disse-me, entregando-me um pequeno bilhete e saindo rapidamente.

- Mas já... espantou-se Durval.

Abri e estava escrito: “Você tem um sorriso lindo”. Jussara. Segui para ver onde ela ia parar.Ela sentou-se na mesa de um sujeito parecido com o Spielberg. (Ele estava rodando ali “A Lista Secreta de Jurassic Park”). Fixei os olhos na mesa e descartei com um aceno a velha dama de copas. Eu era um ás (de casaco) de paus, cacete. E além do mais a noite é uma criança... carente, mas uma criança. Acho que me convenci.Segue a noite.

Olhei para uma moça ali perto de nós e disse para o Durva:

- Gostosa a morena ali, hein?

- Duvida que chego nela? Desafiou-me o já pra lá de Trinidad e Tobago Durval.

- Vai lá, rebati. (só não vai apanhar).

Estava na cara que o meu já manguaçado camarada iria se dar mal. Moça em rodinha, com amigos e amigas, dançando (ou melhor, fechados para balanço)... Depois de dez minutos, ele não chegou e vi que aquilo ia dar em água. Vou buscar mais uma cerveja ou quem sabe uma caipirinha de vodka para mudar a voltagem de 110 para 220. Espero que o Durva não apronte.

Voltei para a cena do crime, com minha caipirinha, procurando meu amigo que naquelas horas devia estar no banheiro dando um tempo. Surprise. Ele estava conversando com a morena, em separado. Sucesso para ele... é novo, boa pinta..

Depois de vinte minutos coringando os dois, percebi que se o Durva conseguisse pegar o telefone dela podia se considerar um sortudo. Opa. Peraí. O que que é isso? O Durva estava beijando a morena... e passava a mão na barriguinha dela... Cristo. Por um minuto virei fã daquele mutante. Despiruquei.

Vou dar umas voltas por aí... Vou ver é o meu. E a banda não parava de tocar.Percebi uma menina vestida de vermelho, que estava na beira da escada. Sua provável amiga estava se amassando com um cara, ao lado dela. Bom... já que ela estava de vela mesmo, vou chegar e acender essa vela da paixão (meu Deus, o nível de meus pensamentos estava caindo rapidamente. Help-me). Subi um degrau e encostei minha boca no ouvido dela. Com a voz de locutor de AM, falei justamente quando a banda tocava mais alto:

- Como é o seu nome?

- Ma...(sei lá o quê), ela respondeu.

No mesmo instante, chegou um segurança e me deu uma antenada nas costas, falando que não era permitido ficar ali.Olhei para a moça e falei ansiosamente:

- Desculpe, mas não ouvi seu nome.

- Masdamsdmds..., disse ela, impaciente.

O segurança me dá outra estocada com a antena daquele rádio filho da puta dele.Encarei o segurança e ele me encarou. Suas orelhas inchadas não negavam seus dotes marciais. Seus olhos falavam: só eu e você, no mano. Diga sim, por favor.Virei rapidamente em direção à dama de vermelho e abri a guarda:

- Parece que o segurança ali não quer que a gente converse.

- Ainda bem, ela disse cinicamente, vendo-me diminuir à sua frente.

Num golpe de despeito absoluto, cresci:

- Então derreta aí, vela de macumba.

Naquele momento meu nível estava abaixo do nível do esgoto.Com pressa, tomei o biarticulado escada sentido banheiro e fui. Durval me parou no meio do caminho. Apontou-me sua amiga-caso-ou o que quer que fosse e disse-me:

- Olha. Esta é a Camila.

Olhei.

- Oi Camila, tudo bem? disse. (Você tem uma amiga sobrando aí na bolsa? )

- Tudo, ela respondeu.

Ela realmente era muito bonita.E meu camarada, estranhamente sóbrio, continuou:

- Eu e Camila estamos indo embora. Ela está de carro e vai me dar uma carona. Pode ser? E deu uma piscada de malandro para mim.

- Beleza, assimilei. Vou dar mais um tempo por aí. (E assim era o fim da dupla Os Marcianos).

Perdido no salão, apareceram meus bodes. Essa não.

- Xispa, podem ir embora.

No desespero, abordei mais duas meninas chegáveis: uma era namorada do guitarrista (que viu a cena e não tirou mais os olhos de mim) e a outra uma transeunte ausente. Tentei me enturmar com o pessoal do aniversário no mezanino. Cantei parabéns, dei um beijo na aniversariante e comi um pedaço de torta de amendoim. Puxei um segundo parabéns. Ninguém me acompanhou. Sumi.

O tempo passou rápido. Olhei para a mesa de Spielberg. Jussara havia ido embora.Como diz a música de Dorival Caymmi: “Um pescador tem dois amores, um bem na terra, um bem no mar”.Então joguei a tarrafa na pista de dança pra ver se pegava alguma coisa. Nada. E joga de novo. Pesquei duas sereias, ou alguma coisa assim parecida (desconto de 50% por causa da cerveja). Separei pro final. E a banda parou de tocar.

- Boa noite galera. Até a próxima, se Deus quiser, finalizou o vocalista.

Rapidamente o pessoal se dissipou. Os caixas ficaram lotados e começou a rolar um playback. As duas moças pelo qual havia me interessado estavam juntas conversando com três caras. E eu encostado com a barriga no balcão.Uma delas veio até o bar, pegar as sandálias (a simpática estava descalça). Pensei que aquela era a hora. Pensar, pensar, pensar... Para de pensar, porra. Atitude, caceta. E rápido. E neste impulso, perguntei com a cara da última má intenção que me restou:

- Oi? Como é o seu nome?

- Matilda, ela disse com um sorriso querendo desabrochar.

- Você dança bem, Matilda. Te vi dançando a noite inteira (estique a mão que eu vou).

- Pô, legal, ela disse abrindo um largo sorriso.

Apresentei-me e não sei porque cargas d’água acabamos entrando em papo de cappuccino e aí a coisa fluiu. Matilda era uma bela morena e seu jeito foi me cativando, é claro. Quando comecei a me empolgar, os três caras foram embora e a amiga dela chegou. E nem se apresentou e começou a falar. Falou de sua profissão, que morava com a Matilda, que tinha que trabalhar dali a três horas, que uma moça do prédio dela havia se suicidado (sinistro) e blá, blá, blá. De repente, para cortar a gralha, virei um gentleman:

- Vocês moram onde? (só tenho 1/28 de tanque de gasolina).

- Moramos aqui perto. Mas dá para ir a pé, disse Matilda.

- Não. Faço questão de levá-las. Tá decidido - falei sem pensar.

As duas fizeram cara de assombro com minha imposição, mas aceitaram. A pergunta era: será que vai dar praia? Pagamos, saímos e fomos para a nave: a gralha, “educadamente”, sentou-se no banco da frente e a Matilda sentou lá atrás (pelo retrovisor ela parecia tão longe). Pedi desculpas pela bagunça no carro (tinha uma corneta verde que eu preservava desde a Copa de 98) e decidimos comer um cachorrão no caminho.Paguei os lanches com os cincão que sobrou da noite. “E todos se saciaram e regozijaram”, inclusive a gralha.A partir daí, as duas começaram a me investigar e queriam saber mais de minha vida. O que eu estava fazendo sozinho e assim vai.

Inevitavelmente, entramos no papo de namoro. A Matilda havia terminado a pouco tempo com o ex-namorado. Falei que tinha terminado com minha ex-namorada também. Coisas da vida. O papo me bateu uma deprê e os bodes acabaram aproveitando a bobeira e sentaram-se ao lado de Matilda.Porra, mas naquele momento, pelo menos, eu não estava só. Podia rolar alguma coisa com a Matilda e a gralha (quem sabe uma suruba com cappuccino). Foi o suficiente para eu desencanar.Seguimos bem devagar e nos trilhos. O papo agora era falar de bem-estar. E quando a coisa ganhava corpo, a gralha, num golpe impiedoso e fatal sobre minha última má intenção, falou que bebia mijo e que isso lhe fazia bem à saúde. Bem... foi o suficiente para eu arregalar os olhos e perder o tesão por completo. O cachorrão que eu havia comido já estava querendo voltar. Os bodes saltavam de tanto dar risadas.Acelerei o carro, passei por dois sinais vermelhos e deixei as duas no prédio em que moravam. Na saída do carro, a gralha juntou umas duzentas moedinhas para pagar o cachorrão. Disse-lhe, sem olhar na sua cara:

- Não, não, não. De jeito nenhum. É pela nossa amizade. (sua doente)

Dei ainda um convite para cada uma para a “Noite dos Fudidos” e o pacote intacto de halls e zarpei.Corri para minha casa. Parei na garagem do meu prédio. Botei a cabeça no volante e, antes de começar a pensar besteira, lembrei-me que tinha o canal 21 da Net em minha TV, com a imagem toda distorcida, mas com um aúdio perfeito: put-me, put-me, fuck-me... yes, yes, yes. Ali acabei minha noite.

Já no quarto, para finalizar, chutei a quina do pé da cama. Consegui atingir meu objetivo afinal: criei movimentos que causam sussurros (e gemidos). Pra me vingar dos bodes que não paravam de rir, comecei a dar risada também e botei-os pra dormirem lá fora... pelo menos por aquela noite.

4 comentários:

Téo Souto Maior disse...

Sensacional! Divertido e trágico.

Saci Pinheiro disse...

Onde era esta axé?

Ronaldo Inc. disse...

affff muito gigante esse texto pra ser um blog....deus!

Renato Prospero disse...

Adorável! Parabens!